quarta-feira, 11 de abril de 2012

Nova ortografia

Quando eu escrevo a palavra acção, por magia ou pirraça, o
computador já retira automaticamente o C na pretensão de me
ensinar a nova grafia.
De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio
vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais
na língua portuguesa.
Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim.
Foram muitos anos de convívio!
Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes CCC's
e PPP's me acompanharam em tantos textos e livros desde a
infância.
Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da
professora: - não te esqueças de mim!
Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem
diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí.
E agora as palavras já nem parecem as mesmas.
O que é ser proativo?
Custa-me admitir que, de um dia para o outro, se trabalhar
numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns
também que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os
meus sapatos.
Depois há os intrusos, sobretudo o R, que tornou algumas
palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou
autorretrato.
Caíram hifenes e entraram RRR's que andavam errantes.
É uma união de facto, e para não errar tenho a obrigação de os
acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não
vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem.
Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os EEE's
passaram a ser gémeos, nenhum usa (^) chapéu.
E os meses perderam importância e dignidade; não havia motivo
para terem privilégios. Assim, temos janeiro, fevereiro, março,
são tão importantes como peixe, flor, avião.
Não sei se estou a ser suscetível, mas sem P, algumas palavras
são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que
já não tenham.
As palavras transformam-nos.
Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas
é tempo de crescer e encontrar novos amigos.
Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do C não me
faça perder a direção, nem me fracione, e nem quero tropeçar em
algum objeto.
A verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem
atuante com um C a atrapalhar.
Só não percebo porque é que temos que ser NÓS a alterar a
escrita, se a LÍNGUA É NOSSA!...
Os ingleses não o fizeram, os franceses desde 1700 que não
mexem na sua língua e porquê nós ?
Ou atão deichemos que os 35 por cento de analfabetos
afroamaricanos fassão com que a nova ortografia imponha se bué
depréça !

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