O
Estado de Maryland: 18.º dos Estados Unidos
da América
a aboliu a pena de morte em 08 Maio
2013.
É
um daqueles casos que com inteira legitimidade,
e
aproveitando alguma raridade na distribuição dos
feitos
meritórios nos séculos mais chegados, nos faz
inchar
o peito de orgulho. Viaja-se pelas enciclopédias
e
constata-se que a última aplicação da pena de
morte
em território português ocorreu em 1846,
antecipando-se
por largos anos à legislação que
começou
por extinguir a pena capital para crimes
políticos
[1852] e depois alargou a medida aos
crimes
civis [1867]. Isto antes de se chegar ao
pleno
[1911, 1976]. A última mulher que morreu
executada
por ordem judicial, em Portugal,
despediu-se
da vida em 1772 [e o último homem,
por
sentença de tribunal não militar, em 1846].
Depois
disso, foi preciso esperar até 1917, e por
um
caso de traição no Exército Português,
durante
a
Primeira Guerra Mundial, para que a mais
drástica
das penas máximas voltasse a ser
aplicada.
Em 1976, a Constituição Democrática
passou
a uma forma ainda mais explícita: a
irradicação
da pena de morte, algo que os anos
do
Estado Novo, e sobretudo da Guerra Colonial,
acabaram
por registar de vez em quando, ainda
que
não houvesse sentença judicial mas apenas
a
acção da polícia política "PIDE".
Diante deste
longo
processo de demonstração de um estado
civilizacional
evoluído, misturamos o aplaudo
franco
com um sorriso meio-desdenhoso ao
tomarmos
conhecimento que, desde ontem [02 de
Maio
de 2013], O Estado Maryland passou a ser o
18.º
dos estados norte-americanos a transferir
para
a figura da prisão perpétua a pena máxima.
Com
cerca de seis milhões de habitantes, tendo
Baltimore,
Columbia, Germantown, Silver Spring
e
Rockville como cidades mais representativas,
este
estado atlântico põe fim ao longo reinado
da
pena capital, aplicada no território desde 1638,
ainda
debaixo do estatuto de colónia britânica.
Ora
na base da alteração está o governador
conseguiu
levar por diante um projecto que há
quatro
anos tinha fracassado. Mas se a mudança
legal
merece o devido realce por parte de todos
os
humanistas, ela não consegue esbater uma
nuvem
negra: é que segundo uma sondagem
do
jornal "Washington Post", cerca de 60% dos
cidadãos
do Maryland acabou por concordar
com
a pena de morte, ficando os seus opositores
na
casa dos 38%. Confesso que tratando-se,
acima
de tudo, de domínio sagrado dos Direitos
Humanos,
não me faz confusão nenhuma que o
legislador
marche um passo adiante da
consciência
popular. Há momentos de ruptura
que
continuam a justificar estes saltos em frente
e,
com inteira franqueza, continua a fazer-me
muita
confusão que possa haver quem defenda
que
o Estado, representado pelo poder judicial,
possa
descer ao nível dos criminosos, mesmo
dos
mais violentos e abjectos. Responder com
as
mesmas armas é atirar o Estado para um
lamaçal
de contradições e para um papel que
não
lhe calha pela superioridade moral que deve
representar,
pelo equilíbrio de que deve dar
garantias
a cada passo [nunca descurando a
possibilidade
de erro judiciário]. Claro está que
não
deixamos de recordar-nos de todos os outros
pecados
do Estado: tantas vezes mau pagador,
mau
investidor, mau gestor, mau trabalhador e
mau
chefe [não por culpa do Estado em si mesmo,
mas
dos indivíduos – políticos e funcionários –
que
não sabem ou não querem servi-lo bem]. Mas
sempre
me ensinaram que um erro, ou mais, não
se
corrige errando de novo. E, felizmente, também
me
ensinaram que com a vida humana não se
brinca.
Também por isso passei hoje a gostar um
pouco
mais do Maryland: à letra, quer dizer "terra
de
Maria" e, neste caso, a Maria não foi com as
outras.»
(João Gobern, na crónica "A tempo e
2013).
A
marcha da Humanidade rumo à abolição total da
pena
de morte tem sido lenta e não é expectável
que
termine em breve. Mas uma coisa tenho como
certa:
o exemplo vindo de terras do Tio Sam não
deixará
de ter influência nos países do mundo que
ainda
mantêm o assassinato legal nos seus
ordenamentos
jurídicos. Nesta ordem de ideias, o
passo
em frente agora dado por mais um dos
Estados
Unidos da América é de assinalar,
cabendo-me
a mim, enquanto humanista e convicto
abolicionista,
saudar o jornalista João Gobern por
se
ter debruçado sobre o acontecimento, apesar da
pouca
atenção que a comunicação social
portuguesa
lhe
dispensou.
Portugal
pode orgulhar-se de ter sido pioneiro
nesta
premente questão humana, pois foi o segundo
país
europeu (o primeiro foi San Marino, em 1865)
e
o terceiro de todo o mundo (o primeiro foi a
Venezuela,
em 1854) a abolir a pena capital para
todos
os crimes civis. Aconteceu a 1 de Julho de
Ao
receber a notícia, o grande escritor francês
Victor
Hugo, o "divino Hugo" (como lhe chamava
Guerra
Junqueiro), logo enviou ao amigo e
jornalista
Eduardo Coelho, então redactor do
"Diário
de Notícias", uma carta com o seguinte
teor:
«Está,
pois, a pena de morte abolida nesse nobre
Portugal,
pequeno povo que tem uma grande
História!
Penhora-me a recordação da honra que
me
cabe nessa vitória ilustre. Humilde operário
do
progresso, cada novo passo que ele avança
me
faz pulsar o coração. Este é sublime. Abolir
a
morte legal, deixando à morte divina todo o
seu
direito e todo o seu mistério, é um progresso
augusto
entre todos. Felicito o vosso parlamento,
os
vossos pensadores, os vossos escritores e os
vossos
filósofos! Felicito a vossa nação. Portugal
dá
o exemplo à Europa. Desfruta, de antemão,
dessa
imensa glória. A Europa imitará Portugal.
Morte
à morte! Guerra à guerra! Ódio ao ódio!
Vida
à vida! A liberdade é uma cidade imensa,
da
qual todos somos cidadãos. Aperto-vos a
mão
como meu compatriota na humanidade e
saúdo
o vosso generoso espírito.» (Victor Hugo,
2
de Julho de 1867).
Em
registo similar, o mesmo Victor Hugo escreveu,
dias
mais tarde, outra missiva ao amigo Pedro
de
Brito Aranha:
«Votre
noble lettre me fait battre le coeur.
Je
savais la grande nouvelle; il m'est doux d'en
recevoir
par vous l'écho sympathique.
Non,
il n'y a pas de petits peuples. Il y a de petits
hommes,
hélas! Et quelque fois ce sont ceux qui
mènent
les grands peuples. Les peuples qui ont
des
despotes ressemblent à des lions qui auraient
des
muselières.
J'aime
et je glorifie votre beau et cher Portugal. Il
est
libre, donc il est grand.
Le
Portugal vient d'abolir la peine de mort. Accomplir
ce
progrès c'est faire le grand part de la civilisation.
Dês
aujourd'hui le Portugal est à la tête de l'Europe.
Vous
n'avez pas cessé d'être, vous portugais, des
navigateurs
intrépides.Vous allez en avant, autrefois
dans
l'ócean, aujourd'hui dans la verité. roclamer
des
principles c'est plus beau encore que de
découvrir
des mondes.
Je
crie: Gloire au Portugal, et à vous: Bonheur!
Je
presse votre cordiale main.» (Victor Hugo,
15
de Julho de 1867).
Pode
afirmar-se, sem vanglória ou patriotismos
pacóvios,
que estas palavras de Victor Hugo se
contam
entre as mais honrosas e edificantes que
um
estrangeiro (não um qualquer, mas um vulto
universal
de elevadíssimo carisma ético) dirigiu
a
Portugal e, nessa conformidade, qualquer
cidadão
português devia conhecê-las. Acaso
constam
nos compêndios do ensino básico,
designadamente
nos das disciplinas de História,
Educação
Cívica, Português ou Francês?
Victor
Hugo (1802-1885): mais conhecido pelos
romances
"Nossa Senhora de Paris" ("Notre-
Dame
de Paris", 1831) e "Os Miseráveis"
("Les
Misérables", 1862), é autor de "O Último
Dia
de um Condenado" ("Le Dernier Jour d'un
Condamné",
1829), obra de vincado cunho
humanista,
em que deixa expressa, de forma
assaz
eloquente, a sua repulsa pela vigência,
em
pleno século XIX, da pena de morte na sua
França,
a mesma que, em 1789, iluminara o
mundo
com a Declaração dos Direitos do
Homem
e do Cidadão.
Mas
a Pena Capital em França só foi abolida 9 d
e
Outubro de 1981 por um de decreto lei da
mesma
data. Quando François Mitterrant era
Presidente
da República Francesa.