quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Abolição da pena de morte

O Estado de Maryland: 18.º dos Estados Unidos

 da América a aboliu a pena de morte em 08 Maio

 2013.

É um daqueles casos que com inteira legitimidade,
e aproveitando alguma raridade na distribuição dos
feitos meritórios nos séculos mais chegados, nos faz
inchar o peito de orgulho. Viaja-se pelas enciclopédias
e constata-se que a última aplicação da pena de
morte em território português ocorreu em 1846,
antecipando-se por largos anos à legislação que
começou por extinguir a pena capital para crimes
políticos [1852] e depois alargou a medida aos
crimes civis [1867]. Isto antes de se chegar ao
pleno [1911, 1976]. A última mulher que morreu
executada por ordem judicial, em Portugal,
despediu-se da vida em 1772 [e o último homem,
por sentença de tribunal não militar, em 1846].
Depois disso, foi preciso esperar até 1917, e por
um caso de traição no Exército Português, durante
a Primeira Guerra Mundial, para que a mais
drástica das penas máximas voltasse a ser
aplicada. Em 1976, a Constituição Democrática
passou a uma forma ainda mais explícita: a
irradicação da pena de morte, algo que os anos
do Estado Novo, e sobretudo da Guerra Colonial,
acabaram por registar de vez em quando, ainda
que não houvesse sentença judicial mas apenas
a acção da polícia política "PIDE". Diante deste
longo processo de demonstração de um estado
civilizacional evoluído, misturamos o aplaudo
franco com um sorriso meio-desdenhoso ao
tomarmos conhecimento que, desde ontem [02 de
Maio de 2013], O Estado Maryland passou a ser o
18.º dos estados norte-americanos a transferir
para a figura da prisão perpétua a pena máxima.
Com cerca de seis milhões de habitantes, tendo
Baltimore, Columbia, Germantown, Silver Spring
e Rockville como cidades mais representativas,
este estado atlântico põe fim ao longo reinado
da pena capital, aplicada no território desde 1638,
ainda debaixo do estatuto de colónia britânica.
Ora na base da alteração está o governador
democrata Martin O'Malley, que desta vez
conseguiu levar por diante um projecto que há
quatro anos tinha fracassado. Mas se a mudança
legal merece o devido realce por parte de todos
os humanistas, ela não consegue esbater uma
nuvem negra: é que segundo uma sondagem
do jornal "Washington Post", cerca de 60% dos
cidadãos do Maryland acabou por concordar
com a pena de morte, ficando os seus opositores
na casa dos 38%. Confesso que tratando-se,
acima de tudo, de domínio sagrado dos Direitos
Humanos, não me faz confusão nenhuma que o
legislador marche um passo adiante da
consciência popular. Há momentos de ruptura
que continuam a justificar estes saltos em frente
e, com inteira franqueza, continua a fazer-me
muita confusão que possa haver quem defenda
que o Estado, representado pelo poder judicial,
possa descer ao nível dos criminosos, mesmo
dos mais violentos e abjectos. Responder com
as mesmas armas é atirar o Estado para um
lamaçal de contradições e para um papel que
não lhe calha pela superioridade moral que deve
representar, pelo equilíbrio de que deve dar
garantias a cada passo [nunca descurando a
possibilidade de erro judiciário]. Claro está que
não deixamos de recordar-nos de todos os outros
pecados do Estado: tantas vezes mau pagador,
mau investidor, mau gestor, mau trabalhador e
mau chefe [não por culpa do Estado em si mesmo,
mas dos indivíduos – políticos e funcionários –
que não sabem ou não querem servi-lo bem]. Mas
sempre me ensinaram que um erro, ou mais, não
se corrige errando de novo. E, felizmente, também
me ensinaram que com a vida humana não se
brinca. Também por isso passei hoje a gostar um
pouco mais do Maryland: à letra, quer dizer "terra
de Maria" e, neste caso, a Maria não foi com as
outras.» (João Gobern, na crónica "A tempo e
horas", da rubrica "Pano para Mangas", 03-Mai-
2013).
A marcha da Humanidade rumo à abolição total da
pena de morte tem sido lenta e não é expectável
que termine em breve. Mas uma coisa tenho como
certa: o exemplo vindo de terras do Tio Sam não
deixará de ter influência nos países do mundo que
ainda mantêm o assassinato legal nos seus
ordenamentos jurídicos. Nesta ordem de ideias, o
passo em frente agora dado por mais um dos
Estados Unidos da América é de assinalar,
cabendo-me a mim, enquanto humanista e convicto
abolicionista, saudar o jornalista João Gobern por
se ter debruçado sobre o acontecimento, apesar da
pouca atenção que a comunicação social portuguesa
lhe dispensou.
Portugal pode orgulhar-se de ter sido pioneiro
nesta premente questão humana, pois foi o segundo
país europeu (o primeiro foi San Marino, em 1865)
e o terceiro de todo o mundo (o primeiro foi a
Venezuela, em 1854) a abolir a pena capital para
todos os crimes civis. Aconteceu a 1 de Julho de
1867. Era ministro da Justiça Augusto César Barjona 
de Freitas, chefiava o governo Joaquim António de
 Aguiar e reinava D. Luís I.
Ao receber a notícia, o grande escritor francês
Victor Hugo, o "divino Hugo" (como lhe chamava
Guerra Junqueiro), logo enviou ao amigo e
jornalista Eduardo Coelho, então redactor do
"Diário de Notícias", uma carta com o seguinte
teor:
«Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre
Portugal, pequeno povo que tem uma grande
História! Penhora-me a recordação da honra que
me cabe nessa vitória ilustre. Humilde operário
do progresso, cada novo passo que ele avança
me faz pulsar o coração. Este é sublime. Abolir
a morte legal, deixando à morte divina todo o
seu direito e todo o seu mistério, é um progresso
augusto entre todos. Felicito o vosso parlamento,
os vossos pensadores, os vossos escritores e os
vossos filósofos! Felicito a vossa nação. Portugal
dá o exemplo à Europa. Desfruta, de antemão,
dessa imensa glória. A Europa imitará Portugal.
Morte à morte! Guerra à guerra! Ódio ao ódio!
Vida à vida! A liberdade é uma cidade imensa,
da qual todos somos cidadãos. Aperto-vos a
mão como meu compatriota na humanidade e
saúdo o vosso generoso espírito.» (Victor Hugo,
2 de Julho de 1867).
Em registo similar, o mesmo Victor Hugo escreveu,
dias mais tarde, outra missiva ao amigo Pedro
de Brito Aranha:
«Votre noble lettre me fait battre le coeur.
Je savais la grande nouvelle; il m'est doux d'en
recevoir par vous l'écho sympathique.
Non, il n'y a pas de petits peuples. Il y a de petits
hommes, hélas! Et quelque fois ce sont ceux qui
mènent les grands peuples. Les peuples qui ont
des despotes ressemblent à des lions qui auraient
des muselières.
J'aime et je glorifie votre beau et cher Portugal. Il
est libre, donc il est grand.
Le Portugal vient d'abolir la peine de mort. Accomplir
ce progrès c'est faire le grand part de la civilisation.
Dês aujourd'hui le Portugal est à la tête de l'Europe.
Vous n'avez pas cessé d'être, vous portugais, des
navigateurs intrépides.Vous allez en avant, autrefois
dans l'ócean, aujourd'hui dans la verité. roclamer
des principles c'est plus beau encore que de
découvrir des mondes.
Je crie: Gloire au Portugal, et à vous: Bonheur!
Je presse votre cordiale main.» (Victor Hugo,
15 de Julho de 1867).
Pode afirmar-se, sem vanglória ou patriotismos
pacóvios, que estas palavras de Victor Hugo se
contam entre as mais honrosas e edificantes que
um estrangeiro (não um qualquer, mas um vulto
universal de elevadíssimo carisma ético) dirigiu
a Portugal e, nessa conformidade, qualquer
cidadão português devia conhecê-las. Acaso
constam nos compêndios do ensino básico,
designadamente nos das disciplinas de História,
Educação Cívica, Português ou Francês?
Victor Hugo (1802-1885): mais conhecido pelos
romances "Nossa Senhora de Paris" ("Notre-
Dame de Paris", 1831) e "Os Miseráveis"
("Les Misérables", 1862), é autor de "O Último
Dia de um Condenado" ("Le Dernier Jour d'un
Condamné", 1829), obra de vincado cunho
humanista, em que deixa expressa, de forma
assaz eloquente, a sua repulsa pela vigência,
em pleno século XIX, da pena de morte na sua
França, a mesma que, em 1789, iluminara o
mundo com a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão.
Mas a Pena Capital em França só foi abolida 9 d
e Outubro de 1981 por um de decreto lei da
mesma data. Quando François Mitterrant era
Presidente da República Francesa.

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