segunda-feira, 14 de novembro de 2016

GUeterres e Marcelo

Eram amigos. Formaram um grupo católico para influencia
o poder.
Foram poder. Nunca se defrontaram. Atacaram-se. 
Traíram-se.Fizeram as pazes. Um está no topo do mundo. 
O outro no topo de Portugal.

Era improvável, mas aconteceu. No púlpito da Assembleia Geral 
das Nações Unidas, o Presidente de uma pequena república 
europeia apelava ao voto num velho amigo que tinha estado no
 seu casamento, na mesa dos noivos, para ser secretário-geral da
 ONU. 
Não mencionou o nome, mas toda agente sabia de quem estava
 a falar quando disse que o próximo líder das Nações Unidas 
devia guiar-se “pelo exemplo dos valores que Gandhi e Nelson
 Mandela sempre aplicaram na vida”.António Guterres estava 
sentado na primeira fila, com a delegação portuguesa, 
enquanto Marcelo Rebelo de Sousa discursava. 
Não era provável que dois companheiros de juventude se 
encontrassem em circunstâncias destas: um como 
Presidente da República e outro prestes a chegar ao topo do 
mundo.
Foram aos casamentos um do outro; rezaram juntos; tocaram 
campainhas e fugiram; tiveram o mesmo confessor; um foi
 primeiro-ministro e o outro nãoconseguiu porque o outro já lá 
estava; atacaram-se em público; traíram-se;
 fizeram as pazes; um foi Presidente da República talvez por o 
outro não ter sido. Esta é a história cruzada de duas das  mentes
 mais brilhantes de uma
 geração: António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa.
Dois homens com os destinos
ligados
Nos anos 70, dizem amigos comuns, corria o mito de que teriam 
feito um pacto de que ambos chegariam a primeiros-ministros. 
Foram para além disso. 
No fim dos anos 60, participavam em movimentos católicos cujos
membros tinham sido marcados pela tragédia das cheias em 
Lisboa de 1967.
 Marcelo próximo da Juventude Universitária Católica e 
Guterres ativo no Centro de Ação Social Universitária (CASU). 
Nesse tempo de fim de regime.
Marcelo Rebelo de Sousa começaria a relacionar-se com 
estudantes do Técnico através de António Barahona, seu antigo
 colega no Liceu Pedro Nunes. 
Terá sido através deste amigo que conheceu António Guterres,
 o melhor aluno de Engenharia Eletrotécnica, que tal como ele 
era o  melhor estudante de Direito.
Ao longo dos anos, António seria talvez a pessoa do mundo 
político cuja inteligência Marcelo mais respeitava e admirava.
 A amizade passou a intimidade quando, em 1970, fundaram o 
Grupo da Luz com o padre franciscano Vítor Melícias e outros
 estudantes do Técnico como Diogo Lucena (hoje administrador
 da Gulbenkian), estudantes de Economia como Miguel Beleza
 ou de Direito como Carlos Santos Ferreir (da turma de Marcelo
 na faculdade), entre outros.
O grupo aproximava-se politicamente dos jovens tecnocratas 
que Marcello Caetano levara para o Governo, cuja figura tutelar
 era João Salgueiro.
 Do ponto de vista religioso, caminhavam para a esquerda
 embalados pela rutura que significava o Concílio Vaticano II.
 Eram católicos pouco ortodoxos. Aos domingos de manhã, 
participavam em eucaristias domésticas, celebradas
 rotativamente em casa de cada um deles. 
À cabeceira da mesa, o padre Vítor Melícias consagrava o pão 
e o vinho.
Em redor, estava um futuro ministro das Finanças e Governador 
do Banco de Portugal (Miguel Beleza), um presidente de bancos 
(Carlos Santos Ferreira), um ministro da Cultura (Pedro 
Roseta), catedráticos e académicos (Valadares Tavares, Isabel 
Matos Dias). 
E ainda um futuro primeiro-ministro e líder do PS, que teria
 como rival um futuro presidente do PSD, ou melhor ainda, um 
secretário-geral das Nações Unidas e um Presidente da
 República portuguesa.
Na verdade, ficará para sempre por saber se Marcelo só chegou
 a Belém porque António Guterres não concorreu. Em agosto de 
2014, o comentador Rebelo de Sousa dizia na TVI que Pedro 
Passos Coelho deveria escolher Santana Lopes para candidato a
 Presidente da República e que o então alto comissário das 
Nações Unidas para os Refugiados seria o candidato do PS.
 “Guterres vai ser [candidato à Presidência da República].
Eu acho. Só que não lhe convém estar a queimar em lume
 brando durante um ano. Não lhe dá jeito estar a expor-se 
prematuramente”,afirmava o professor Marcelo. O socialista
 estava, afinal, a reservar-se mas era para outros voos. Em 
abril de 2015, quando Guterres afastou em definitivo
uma candidatura presidencial, Marcelo reagiu assim:
Compreendo que seja uma certa perda para o PS, para a 
esquerda em geral, e,porventura, para uma parte significativa 
dos portugueses, que gostaria que ele fosse candidato 
presidencial e, porventura, até que fosse Presidente da 
República.”
E se António Guterres se tivesse mesmo candidatado a
 Belém? Marcelo não seria Presidente?
 Não teria avançado contra o socialista sabendo que não seria
 um passeio de afetos? O destino político dos dois andou 
sempre ligado.
 Rebelo de Sousa também respondeu a esta pergunta em 
 janeiro de 2016, já como Presidente eleito: “Sei lá. O que seria
 a vida se tivesse sido 
uma coisa diferente do que acabou por 
ser?”, respondeu aos jornalistas, admitindo, no entanto, que
 Guterres seria “um candidato muitíssimo forte”. Depois de ter
 tomado posse, convidaria o eventual adversário para o 
Conselho de Estado.
Amigos e rivais, nunca disputaram umas eleições nem fizeram 
um debate público na televisão ou no Parlamento (quando foi
 líder do PSD, Marcelo não era deputado). Os eleitores nunca 
viram aquelas duas cabeças em competição direta.

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