sexta-feira, 3 de junho de 2011

A dita geração à rasca

Um dia, isto tinha de acontecer. Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos
numa abastança caprichosa, protegendo-os das dificuldades e
escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a
lidar com o trabalho e frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e
também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua
infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão
pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos
anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida,
a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 400 e os 70
anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no
antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais
investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos
que eles quiseram afzer.
É ageração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também
lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos
locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos
de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes
faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram
goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama,
mesa e roupa lavada e carro para passear.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o
melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas
vezes em substituição de princípios e de uma educação para a
qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante
do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase)
todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego,
A vaquinha emagreceu, feneceu, secou. Foi então que os pais
ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos
enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e
discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem
continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa
de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e
vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da
água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos
prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda
larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads,
sempre de ultima geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a
ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a
ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque
eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles
têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons
e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante
pelo menos três décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou
muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que
aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que
colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado,
mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento
teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar
em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que
isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas
competências de leitura e interpretação da realidade em que se
insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e
frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para
o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão
social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento.
Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e
trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que
nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no
mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à
sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem
maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o
pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente
desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir
de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente
sobre e desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade
e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não
encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus
contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora
estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados
pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que
trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem
bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!,
são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no
último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes
de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada
dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os
invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos
vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas
almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena
destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha
firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar,
nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é
de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode
assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens
agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

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